segunda-feira, março 07, 2005

Talvez...

Ainda no comboio maravilhei-me com o extenso casario, na sua maioria degradado, que assomava a cidade. Casas e casas, na encosta, trepavam até atingir a monumental torre que guia sonhos e loucuras.
Sentia algum nervoso miudinho, próprio de quem chega a um sítio cujo conhecimento advém apenas do vasto espólio visual deixado por jornalistas, fotógrafos e outros que tais.

Saí. Apeavam-se na estação inúmeros sacos de viagem e estudantes pachorrentos de volta a mais uma semana de trabalho. Que desâmino pressenti nessas faces.
Onde está a magnânima época de 70? A revolução a correr nas veias, as canções entoadas por apaixonados nessas vielas tão características deste lugar... Onde estão vós, capas negras? As verdadeiras? Sem necessidade de emblemas porque, por si só, significam tanto...

Desilusão!

Percorri uns metros, numa espécie de mini-avenida, onde táxis e autocarros tresloucados competiam pela velocidade. Não havia quase ninguém na rua. Por ali, cirandava apenas uma jovem moça, cujo casaco justo laranja sobressaía facilmente naquele final de tarde. Trazia uma malinha pequena e um olhar de atrevimento. Segui em frente.
Ah! Flores! Enfim... sempre me traziam alguma alegria! Incrível, mais uma vez, apenas duas pessoas percorriam aquela rua larga, cravejada de lojas à direita e à esquerda. Miravam as montras, apontando preços e conferenciando entre si.
Decidi entrar num café. Atrás de mim, entraram também o que me pareceu serem os "habitués" daquele sítio. Pombos. Bicavam as migalhas do chão, deixadas por crianças descuidadas que comiam bolos. Pedi um pastel de Tentúgal.

Lá fora, corria um ou outro jovem, empunhando sacos pesados e um a dois cadernos na mão.
Ainda nada de capas negras...

Depois de algum tempo, decidi levantar-me e procurar aquilo que me toldou a memória desta cidade. Virei à direita, junto a uma típica livraria. Dirigia-me ao famoso Arco que se suspende na história por corresponder às antigas portas da cidade. Talvez a Vida estivesse daí para a frente. Esperava bem que sim... Sim! Havia música! SIM! Afinal não me tinha enganado!
Subi os poucos degraus tropegos e deparei-me com um recanto literário e musical, um sítio de lembranças, recordações e histórias tão próprio, tão adequado. Ouviam-se Canções da cidade. Postais e livros antigos estavam expostos. Inundou-me a felicidade... Continuei a subir aquela rua calcetada que de facto fazia "quebrar as costas", mas a música ia-se esvanecendo cada vez mais.
Universidade, lado direito, apontava uma placa. Quase, quase... e deparo-me com a Sé, edifício românico muito bonito. Subo mais um pouco, aliciada pelas gárgulas pendentes e atinjo finalmente o meu objectivo.

Já estava escuro. Lá em cima, no topo de tudo, sentia-me triunfar até que, mais uma vez, o desânimo se apoderou de mim! Apenas um casal de Japoneses fotograva algumas estátuas que me encaravam friamente. Sentei-me, por fim. Talvez, se fechasse os olhos e abrisse a alma conseguisse finalmente ouvir todas essas melodias de guitarras, empenhadas em serenatas ao luar. Talvez...